Kraft Heinz, gigante da comida processada, vai ser dividida

Ketchup para um lado, salsichas para o outro. Dez anos depois de uma mega fusão que criou o quinto maior grupo mundial de alimentação e bebidas, a Kraft e a Heinz voltam a seguir caminhos separados (ainda não se sabe se com estas designações). A quebra no consumo de comida processada nos Estados Unidos e a procura por alternativas mais saudáveis por parte dos consumidores será, segundo os analistas, uma das razões do fracasso da gigante Kraft Heinz, cujas ações desvalorizaram 60% desde 2015, segundo a Reuters. A estratégia agora passa por “encolher para crescer”.
Foi em 2015 que a Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, e o fundo 3G Capital orquestraram aquele que viria a ser, à altura, o negócio mais caro de sempre do setor da alimentação. A H.J. Heinz Company e a Kraft Foods Group, Inc. transformaram-se na Kraft Heinz, numa fusão avaliada na altura em 46 mil milhões de dólares. A segunda já era resultado de uma cisão ocorrida três anos antes, em 2012, quando a Kraft Foods Inc. se transformou na Mondelez, e passou a focar-se na produção de chocolates e snacks doces. Em paralelo foi criada a Kraft Foods Group, que ficou com as marcas de comida processada. A mesma que em 2015 se juntou aos molhos da Heinz e que agora, ou melhor, no segundo semestre de 2026, volta a correr sozinha.
Segundo foi anunciado pela Kraft Heinz esta terça-feira, o plano aprovado pela administração prevê uma separação do grupo em duas empresas independentes e cotadas em bolsa, através de uma cisão livre de impostos. O objetivo é “maximizar as capacidades e marcas da Kraft Heinz, reduzindo complexidade e permitindo a ambas as empresas alocar recursos de forma mais eficaz às suas diferentes prioridades estratégicas”. A Kraft Heinz tem cerca de 200 marcas, relativas a 55 categorias de produtos e está presente em 150 países. Esta mudança “vai impulsionar um desempenho mais forte e ao mesmo tempo preservar a escala para competir e vencer no ambiente atual”, lê-se no comunicado.
As designações oficiais de cada uma das empresas vão ser conhecidas “mais tarde”. Para já, a divisão vai fazer-se entre a Global Taste Elevation Co. e a North American Grocery Co, numa separação que deverá custar 300 milhões de dólares ao grupo.
Com a primeira vão ficar algumas marcas conhecidas dos portugueses, como a Heinz, que produz ketchup e outros molhos, e a Philadelphia, conhecida pelos cremes para barrar. Também é nesta empresa que vai ficar o Kraft Mac & Cheese, uma mistura de massa com queijo muito popular entre os norte-americanos desde a criação em 1936. Estas são, segundo a Kraft Heinz, três das marcas do grupo que valem mais de mil mil milhões de dólares. No total, as vendas das marcas que vão passar para esta empresa totalizaram 15,4 mil milhões de dólares em 2024, com 75% das vendas a serem provenientes dos molhos, cremes para barrar e temperos. Cerca de 20% das vendas foram nos chamados mercados emergentes e também 20% são fora dos EUA.
Já para a North American Grocery Co. ficam reservadas as marcas mais “americanas” do portefólio do grupo. É o caso da marca de carne embalada e salsichas Oscar Meyer, da marca de comida embalada Lunchables e da Kraft Singles, que produz fatias de queijo processado. No total, as marcas desta empresa faturaram 10,4 mil milhões de dólares em 2024. Esta fatia da Kraft Heinz vai ser liderada por Carlos Abrams-Rivera, atual CEO do grupo.
Mas o porta-voz desta cisão, no comunicado emitido pelo grupo, foi outro. O português Miguel Patrício, chairman da gigante multinacional, que já foi CEO do grupo, entre 2019 e 2023, e que é chairman não executivo desde 2024. “As marcas da Kraft Heinz são icónicas e adoradas, mas a complexidade da nossa estrutura atual faz com que seja difícil alocar capital de forma eficaz, priorizar iniciativas e dar escala às nossas áreas mais promissoras”, afirmou o português de 59 anos nascido em Lisboa. “Ao fazer a separação em duas empresas, poderemos alocar o nível certo de atenção e de recursos no potencial de cada marca, para conseguir um melhor desempenho e a criação de valor de longo prazo para os acionistas”.
O gestor português diz-se “ansioso” por trabalhar com Carlos Abrams-Rivera nos próximos meses “para preparar a organização para a separação”. Mas não será ele o líder executivo da empresa que vai produzir o ketchup da Heinz. O grupo diz estar a trabalhar com uma empresa internacional de recrutamento para identificar potenciais candidatos a CEO. Patrício será nomeado chairman executivo. A sede das empresas vai manter-se em Chicago.
A notícia da cisão da Kraft Heinz não apanhou os mercados de surpresa. Em maio o grupo anunciou que a administração estava a avaliar possíveis “transações estratégicas para desbloquear valor acionista”. A desvalorização do grupo na última década foi notória, estando hoje avaliado em 32 mil milhões de dólares.
As vendas caíram 3% em 2024. Em abril, o grupo reviu em baixa as perspetivas de vendas e lucros para 2025, justificando o pessimismo com a descida expectável dos gastos dos consumidores em comida e o impacto das tarifas de Donald Trump. O segundo trimestre de 2025 correu melhor do que o esperado, apesar de uma quebra nas vendas de 1,9%.
Segundo a análise da Reuters, os últimos resultados evidenciaram que os consumidores, pressionados pelo aumento dos preços e pela incerteza motivada pelas tarifas, estão a cozinhar mais em casa, o que se traduziu num aumento das vendas de condimentos e molhos. Mas a conjuntura não é favorável. Nos resultados apresentados em julho, a Kraft Heinz dizia esperar um aumento dos custos entre 5% e 7%, garantindo, porém, que só uma parte seria passada para os consumidores.
O que também tem pressionado as vendas da Kraft Heinz, e que terá sido fulcral na decisão de dividir o grupo, é outro tipo de alteração nos padrões de consumo. Na última década, o apetite por alimentos mais saudáveis aumentou, e as refeições processadas da Kraft Heinz têm vindo a perder expressão nos carrinhos de compras dos norte-americanos.
A área de notícias do site da Kraft Heinz evidencia essa consciência. O anúncio da “primeira embalagem de salsichas e cachorros quentes à base de plantas”, de uma parceria para produzir o “primeiro batido de ketchup de tomate” ou o compromisso para eliminar corantes artificiais dos seus produtos são algumas das iniciativas mais recentes do grupo. Nas contas apresentadas em julho, a gigante admite que um dos riscos para os seus resultados é a a “habilidade da empresa em prever, identificar e interpretar corretamente mudanças nas preferências e na procura dos consumidores” e “oferecer novos produtos que vão de encontro a essas mudanças”.
Segundo o Wall Street Journal, a procura por produtos processados produzidos pela Kraft Heinz, como os Lunchables, os sumos Capri Sun, o Mac & Cheese e a maionese, tem caído nos últimos anos. E tem havido um esforço do grupo para alterar a composição dos produtos, como o corte de 40% do açúcar nos sumos Capri Sun. O CEO da Kraft Heinz, revela o mesmo jornal, é ele próprio um adepto da alimentação saudável. Faz jejum intermitente, com duas refeições por dia entre as 11h00 e as 19h00, e segue uma dieta à base de saladas, grãos e húmus. Carlos Abrams-Rivera come sobremesa uma vez por semana, normalmente uma bola de gelado de menta com chocolate.
“O objetivo é competir de forma mais eficiente numa altura em que os custos continuam a ser um desafio, a procura está a afastar-se dos alimentos processados e os consumidores, pressionados, podem ter a tentação de gastar de forma mais cautelosa, seja cortando no consumo ou mudando de marcas”, defende Russ Mould, diretor de investimentos da AJ Bell, ouvido pela Reuters sobre a cisão.
Warren Buffet, que em 2019 afirmou que a Berkshire Hathaway Inc pagou “demasiado” pela fusão, já reagiu ao negócio que impulsionou e que agora vê desfeito: o investidor, que detém 27,5% da empresa, confessou à CNBC ter ficado “desapontado”, e que apesar de a fusão não ter sido uma “ideia brilhante”, não considera que a divisão do grupo ao meio vá resolver os seus problemas.
observador