Brasileiro guardou dinheiro em mala por medo de guerra e virou ‘Maestro’ na Sérvia

Resumo Bruno Duarte, atacante brasileiro de 29 anos, superou desafios no Oriente Médio e Europa, tornando-se ídolo no Estrela Vermelha da Sérvia, onde é conhecido como "Maestro".
Aos 29 anos, Bruno Duarte colhe os louros dos sacrifícios feitos ao longo da carreira e caminha a passos largos para se tornar ídolo do Estrela Vermelha, da Sérvia. A realização do sonho nos Bálcãs, porém, por muito tempo pareceu algo distante para o jogador de futebol nascido e criado em Guaianases, Zona Leste de São Paulo.
O estouro das bombas lançadas pelos apaixonados torcedores sérvios nas arquibancadas do Estádio Rajko Mitic - o Marakana - até assusta, mas nem chegam perto do medo que tomou conta do dia a dia do atacante durante uma curta passagem pela Arábia Saudita.
Antes da avalanche de craques no país do Oriente Médio com nomes como Cristiano Ronaldo e Neymar, Duarte assinou com o Damac, em julho de 2022. Longe do luxo de Riade, o clube fica instalado na cidade de Khamis Mushait, quase na divisa com o Iêmen.
Na época, vivendo próximo a uma área de conflitos, o brasileiro morou em um condomínio militar. Caças e bombas, por exemplo, ditavam a trilha sonora diária do atacante.
“A cidade onde eu morava não era muito aberta, uma cidade que ainda vive um regime de guerra. A gente ouvia caças, muitas bombas estourarem. Era uma guerra que tinha um controle lá da Arábia Saudita, mas foram momentos tensos. Eu não tinha noção, quando eu fui para lá. Foi o momento mais difícil no futebol”, conta o atleta, em conversa exclusiva com o Terra, durante pré-temporada na Áustria.
Na convivência com oficiais de diferentes nacionalidades no condomínio, Duarte recebeu um conselho que o amedrontou e, até hoje, guarda na memória. “Militares brasileiros me diziam para tomar cuidado e ficar sempre atento, para deixar um dinheiro na mala e o passaporte no jeito, porque a qualquer hora pode acontecer do Iêmen tentar atacar, invadir, alguma coisa acontecer. Tínhamos que estar preparados para isso”, revela.
Mesmo que o dinheiro na mala estava garantido, o atacante sofria com um problema que, hoje, parece distante para os principais times da poderosa Liga Saudita: salários atrasados. O medo era tamanho que para deixar o Damac, inclusive, ele aceitou não receber os três meses de pendências e abriu até mão de um ano de contrato, em um movimento que define como o pagamento da própria multa rescisória.
Após a saída, Duarte voltou para um país que já havia sido feliz: Portugal. Desta vez com a camisa do Farense. Marcou 13 gols e deu três assistências em 32 jogos antes de chamar a atenção do Estrela Vermelha.
O desempenho no futebol português despertou o interesse de alguns times pelo mundo, incluindo o Santos. No entanto, o sonho de jogar a Liga dos Campeões e, claro, manter a palavra com o Estrela Vermelha pesaram na decisão de seguir para a Sérvia.
“Na janela em que vim pra cá, tive a proposta do Santos, que, na época, estava na segunda divisão. Eu já tinha acordado tudo com o Estrela Vermelha. Fiquei muito feliz e muito balançado também. Conversei com a minha família, meu pai estava comigo quando recebi a proposta. O que pesou mais foi já ter tudo acordado com Estrela e com o Farense. Eu já estava viajando para assinar. Eu agradeci muito ao Alexandre Gallo, que era o diretor, fiquei lisonjeado pelo interesse do Santos, mas meu sonho era jogar a Champions League e, graças a Deus, eu pude realizar esse sonho e sou muito grato a Deus por ter escolhido vir pra cá”, recorda.
Vida nova no palco de um dos maiores clássicos do mundoSem guardar arrependimentos, Duarte sabe que a escolha foi bem feita. Em um ano nos Bálcãs, o atacante carrega a marca de 17 gols e quatro assistências em 41 jogos, com as conquistas da Copa e da Superliga da Sérvia na última temporada.
As atuações levaram a relação do torcedor com o brasileiro ir além dos inúmeros pedidos de fotos e autógrafos pelas ruas de Belgrado. Em uma demonstração de carinho, ele recebeu o apelido de ‘Maestro’.
Para quem gosta de futebol, a vida na Sérvia tem um capítulo à parte quando envolve o clássico entre Estrela Vermelha e Partizan. Além do campo, o ‘Dérbi Eterno’ mistura rivalidade política e conflitos do passado.
“É muito diferente de qualquer outro dérbi que eu já joguei. Os caras jogam bomba no campo, jogam fumaça, o jogo fica parado por cinco, dez minutos. É um clima muito hostil mesmo, os caras se batem na arquibancada, é loucura. A pressão é muito grande. São jogos gostosos de jogar e que elevam demais a nossa adrenalina”, conta o brasileiro.

Em um momento de tensão recente, em setembro de 2024, uma vitória do Estrela Vermelha por 4 a 0 resultou na invasão do vestiário do Partizan, além da agressão do treinador Aleksandar Stanojevic. Mas se engana quem pensa que o clima de guerra existe apenas no clássico. Com capacidade para mais de 50 mil torcedores, o Marakana é palco de cenas que costumam viralizar nas redes sociais.
“É bem hostil, os caras fazem mesmo barulho, não param um minuto de cantar e apoiar a equipe. Mesmo no túnel para entrar no estádio, quando eles começam a pular e a gente vai entrar, parece que aquele túnel vai ser derrubado nas nossas costas. É uma loucura. Tem a parte também das bombas, os caras dão um jeito de levar bombas para dentro do estádio e jogar dentro do campo. Às vezes, você tá lá distraído jogando e de repente um estrondo no campo, você fica assustado. Os caras vivem intensamente, eles querem intimidar mesmo o adversário”, diz ele ao descrever o estilo dos torcedores do Estrela Vermelha.

Bem antes do interesse do Santos, Duarte viveu uma breve, intensa e difícil passagem pelo futebol brasileiro. No sub-15 das categorias de base, foi dispensado do São Paulo por questões logísticas, já que envolvia o deslocamento de Guaianases para Cotia.
Mas, rapidamente, levantou a cabeça e se juntou ao Palmeiras, onde permaneceu até os 20 anos, mas sem jogar profissionalmente. Na sequência, sequer entrou em campo durante uma passagem frustrada pelo Taubaté, até que “agarrou com unhas” um convite da Portuguesa em 2016.

Em um período complicado da Lusa, disputou 20 partidas em dois anos e tomou a decisão de se arriscar-se no futebol europeu, inicialmente pelo Lviv, da Ucrânia. Também passou pelo Vitória de Guimarães, de Portugal, antes da mencionada ida para a Arábia.
Apesar de ter a carreira quase toda construída fora do Brasil, Duarte ainda pensa em mostrar seu nome para o País em que nasceu e foi criado. Com sonhos a serem realizados, o atacante se coloca como um centroavante de mobilidade, que gosta de ler o jogo e participar da construção das jogadas.
“Tenho alguns sonhos no futebol para realizar, mas sei que não são tão simples, não são tão fáceis. Hoje, me sinto bem onde estou e é o mais importante, estar feliz onde quer que eu esteja trabalhando. Tenho vontade de, em breve, voltar pro Brasil, jogar numa grande equipe do Brasil, fazer muitos gols aí no Brasil e, quem sabe, pra Deus nada é impossível, sonhar até com a Amarelinha, mas sempre com os pés no chão e também muito consciente de que não é uma tarefa fácil. Já tenho 29 anos, mas, para Deus, nada é impossível. Quando a gente se sente feliz eu acho que tudo flui”, completa.

Nesta temporada, o Estrela Vermelha entrará na segunda fase pré-eliminatórias da Liga dos Campeões da Europa. O time de Belgrado também disputará os campeonatos nacionais, onde entra como favorito aos títulos, mais uma vez.
terra